segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Brasileiros e Drogas — Combinação Fatal

Nestes últimos dias o Brasil recebeu duas tristes notícias sobre as morte de dois de seus filhos. Um foi morto por fuzilamento, na Indonésia; o outro foi encontrado morto em Cancún, no México.

O que duas mortes ocorridas em países tão distantes têm em comum? Drogas. O brasileiro morto no México, Dealberto Jorge Silva Júnior, segundo a polícia, caiu do terceiro andar de um prédio, sob efeito de drogas. Já Marco Archer Cardoso Moreira foi fuzilado após ser julgado e condenado por tráfico internacional.

O governo brasileiro tentou por diversas vezes impedir a execução de Marco, mas não obteve êxito. Porém o que foi feito para evitar a de Dealberto? Não sabemos.


O caso da Indonésia vai dar ainda muita repercussão, pois era morte anunciada de um brasileiro pego em flagrante com drogas escondidas, a saber, 13 quilos de cocaína. O caso do México não. Infelizmente será apenas mais um viciado que, por uma fatalidade, perdeu a vida sob o efeito do narcótico.


Sou contra a pena de morte. Seres humanos cometem muitos erros. Inclusive em julgamentos. Uma condenação como essa não pode ser reparada, se porventura um dia se descobrir que o condenado era inocente ou que não deveria receber esta pena. Porém devemos lembrar que tráfico de drogas é crime em qualquer país decente.

Porque Marco Archer morreu? Por causa de uma lei severa em um país que não tolera o tráfico, certo? Não. Morreu porque cometeu um crime hediondo num país que não o tolera e aplica punição severa.

Por que Dealberto morreu? Por causa de traficantes, que querem dinheiro e poder e, para conseguir, usam Marcos e outros como mulas ou iscas para destruir as vidas de jovens como este e suas famílias.

"A droga tirou a pessoa que eu mais amava no mundo", disse o irmão de Dealberto, Fernando Luís da Silva.  Acredito que a família de Marco Archer pense — e sofra — da mesma maneira. 

#ficaadica

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Charlie Hedbo

O atentado ao Jornal Charlie Hedbo, em Paris, no ínicio de 2015, chocou o Mundo, e com razão. 12 pessoas estão mortas por satirizar os muçulmanos. Não. Estão mortos por causa do extremismo religioso. Será? Será que é mesmo religião que leva as pessoas a agirem assim?

Se pesquisarmos na história, veremos que muitas pessoas (mas muitas mesmo), já morreram por questões religiosas, ou aparentemente religiosas. Sem dúvida, a primeira situação que vem à nossa mente é a Santa (?) Inquisição, que, sob a justificativa de manter a doutrina católica, matou milhares de pessoas nas fogueiras em diversos países.

Obviamente, a Inquisição tinha o respaldo de quem estava no poder, no caso, os papas, e contava com uma imensa estrutura  para denunciar, investigar e punir. Neste caso de Paris, e em vários outros na atualidade, as ações são pontuais, mas sem dúvida não acontecem sem o respaldo de alguém que detém algum poder - normalmente financeiro.

Armas como as que foram utilizadas no atentado são restritas e, portanto, caras, seja no mercado legal ou no negro. Não devemos supor que terroristas agem sozinhos e sem dinheiro.

Atentados só ocorrem com a colaboração de uma rede, com dinheiro e com fanáticos.

Mas as ações das autoridades esbarram numa questão bastante melindrosa: a religião. A partir dos atentados perpetrados por muçulmanos sempre se inicia uma onda de preconceito contra o Islã. Porém, devemos questionar: estas ações são, de fato, motivadas pela religião, ou a religião é uma desculpa para encobrir os verdadeiros motivos?

Voltando à Inquisição, como cristão devo dizer que o que a motivava não era o cristianismo.  O cristianismo é, acima de tudo, a religião do amor e do perdão. E muitos muçulmanos se levantaram após este atentado para dizer que o Islã não apoia nem incentiva atos de terrorismo.

Então, quais são os reais motivos por trás dos atentados? Serão os terroristas meros religiosos radicais? O grande desafio para os governos será, então, tentar prevenir ataques como esses mas sem atrapalhar as religiões. Até que ponto as leis e o Estado poderão interferir no direito fundamental de todo ser humano, que é crer (ou não) em algum deus (ou deuses)?

O trabalho contra o terrorismo não deve ser um trabalho contra nenhuma religião, mas contra organizações que utilizam de religiões para mascarar suas verdadeiras intenções e projetos. Grupos radicais devem ser investigados, porém, quem define o que é radical?

Sempre ouço nos noticiários é o termo "fundamentalistas". Porém este termo não é, em si, sinônimo de terrorista. Fundamentalista significa apenas que ele age apenas com um fundamento, seja o Corão, a Bíblia, ou qualquer outra base religiosa. O problema é: como avaliar se uma determinada religião é perigosa? Como impedir ataques terroristas sem impedir as pessoas de viverem de acordo com o que acreditam?

Por enquanto, perguntas sem resposta.


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Dia da Consciência Negra 2013

Hoje é Dia da Consciência Negra.

Honestamente não sei se isso é bom ou ruim. Após os 300 e tantos anos de escravidão brasileira e mais de um século de discriminação de todo tipo, faz sentido ter uma data para reflexão. O que me deixa contrariado é essa afirmação de negritude que, pra mim, não faz sentido. Repito: pra mim. Faz sentido pra muita gente, mas pra mim, não. Eu sempre me considerei negro por um motivo muito simples: tenho pele negra e cabelo pixaim. Não me considero afrodescendente, mas brasileiro, com a miscigenação que o termo engloba.

A população de pardos está próxima da de brancos, que ainda são maioria, e a de negros cresceu. Confira aqui: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/09/21/numero-de-pardos-diminui-apesar-do-alto-crescimento-na-primeira-decada-do-milenio.htm.

Mas eu não confio tanto nas estatísticas, pois elas nem sempre refletem os fatos. Não há tantos brasileiros negros quanto se propala (somos apenas 8% da população), e muitos que se declaram brancos de fato não o são, pois o recenseador deve anotar a declaração da pessoa, e não a sua cor.

Não devemos esquecer nossas raízes nem ignorar as injustiças, mas devemos lembrar de quem somos. Não somos mais um país de negros e brancos, mas um país de negros, brancos, amarelos, indígenas e mestiços. Com o tempo, aparentemente, seremos cada vez mais mestiços.

Se continuarmos com essa conversa de afirmações de cor, raça, sei-lá-o-quê, vamos acabar esquecendo que somos humanos e esse é o motivo para que não haja discriminação de nenhum tipo. Não tento afirmar a minha raça, cor, credo, cultura, etc. pelo simples motivo de que acho isso desnecessário. Eu sou o que sou porque vivo num país plural. Sou negro e gosto disso. Não danço samba, não jogo capoeira, não sigo nenhuma religião de matiz africana nem como feijoada. Isso porventura me faz ser menos negro? Não. De jeito nenhum.

Negro, pra mim, é só a cor da minha pele. Eu sou brasileiro, posso ser totalmente diferente de outro brasileiro e mesmo assim continuamos sendo brasileiros. Discuto filosofia, religião e futebol. Não, não tenho que ser como me dizem que o negro deve ser. Não quero cotas raciais. Casei com uma mulher branca que tem ascendência negra, e eu sou um negro que tem ascendência branca. Não quero que me olhem pelo prisma das raças, cores, culturas. Olhem pra mim diretamente. Sou eu mesmo. Um brasileiro.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Um ano da nossa vida

Um ano atrás eu estava superansioso... Já estava entardecendo e nada... Mas, no finalzinho da tarde, pouco antes do pôr-do-sol, pude ver o seu rosto. Era uma sexta-feira. Me lembrei que Deus criou o homem também numa sexta e neste dia vi a minha criaçãozinha chorando pela primeira vez. O primeiro dia que passamos juntos foi um sábado, exatamente como Deus passouo primeiro sábado com Adão e Eva, seus filhos.
Já faz um ano. Passa tão rápido... Quando você chegou eu achei que já lhe amava demais... Mas hoje eu sei que lhe amo mais, muito mais...

Já não me importo com o que aconteceu durante o dia, quantos estresses eu enfrentei. Tudo perde a importância quando você corre pra porta chamando: Papai! Papai!

Me esqueço de todo o desprezo que possa ter sofrido quando você me abraça e me manda beijos.

Um ano da nossa convivência já se foi. Quantos teremos mais? Não importa se serão muitos ou poucos, importa apenas que estejamos juntos: papai, mamãe e filhinha. Amo vocês!

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Direito à vida

TJ/SP acolhe recurso de pais que não puderam honrar parcelas de financiamento por conta da grave doença do filho
A 11a câmara de Direito Privado do TJ/SP acolheu, em parte, embargos à execução hipotecária, dando assim provimento ao pedido dos embargantes que, por motivo de grave doença do filho, não conseguiram cumprir as parcelas mensais de um financiamento tomado numa instituição financeira.
O contrato, firmado em janeiro de 1999 para a aquisição de um imóvel, deixou de ser honrado porque o filho dos embargantes foi acometido de leucemia, vindo infelizmente a sucumbir em outubro de 2004.
Em razão do não-pagamento das mensalidades, desde junho de 2002, o banco moveu uma execução hipotecária de R$ 65.779,14, correspondente às obrigações atrasadas, juros de mora e multa contratual.
Os embargantes não negaram a dívida, mas disseram que foram baldadas as tentativas de renegociação das parcelas em aberto.
Ao fundamentar seu voto, o desembargador relator Moura Ribeiro afirma que o "exame dos autos revela o drama de uma família na tentativa desesperada de salvar a vida de seu filho acometido de grave doença, o que justifica o inadimplemente momentâneo das parcelas e o consequente afastamento da mora durante o período da moléstia".
Não se pode, segundo o relator, perder de vista que a "mora fica descaracterizada diante da ocorrência de fato de que não se pode ser imputado ao devedor, como é o caso, consoante dispõe o art. 396, do CC/02, correspondente ao art. 963 do CC/16".
Além disso, complementa o magistrado, não se pode deixar de mencionar que "o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado", conforme dispõe o art. 393 do CC (clique aqui).
Entre atender as necessidades do filho gravemente doente ou pagar o mútuo hipotecário, os pais "optaram e bem pela primeira hipótese, até porque a Constituição Federal assegura, sem nenhuma restrição ou condição, o direito à vida", pontua o relator.
Ao acompanhar integralmente o voto do relator, o desembargador revisor Gilberto dos Santos destaca que "fosse apenas por conta da letra fria da lei, seria até possível afirmar que o fato pessoal do devedor realmente não poderia ser oposto ao credor. Contudo, as regras quase sempre comportam exceções, mormente no campo do Direito, onde cada caso é único em suas particularidades e assim precisa ser considerado e resolvido".
Para o magistrado, em situações tais, a opção pelo filho "é natural, consequentemente não sendo razoável exigir conduta diversa".
"Por conseguinte, possível afirmar também que nessas hipóteses não há fato ou omissão efetivamente imputável ao devedor. E se não há, o devedor não incorre em mora", considera o revisor ao interpretar o artigo 396 do CC (clique aqui).
Segundo o desembargador, não se vê dificuldade em enquadrar a situação em discussão como "caso fortuito".
"E o caso fortuito ou de força maior serve para afastar a responsabilidade pelos prejuízos resultantes (art. 393, Código Civil), salvo quando o devedor expressamente houver por eles se responsabilizado, o que não foi o caso".
Ademais, como pontua o revisor, "não se trata de transferir ao credor o infortúnio do devedor, mas de se reconhecer a função social do contrato, pois este já não pode ser entendido apenas para realizar as pretensões individuais dos contratantes, porém como instrumento de convívio social e de preservação dos interesses da coletividade".
"Além de tudo, é de se ver que a simples retirada dos juros e multa de mora nem prejudica objetivamente o credor, pois o capital deste continua a sofrer a incidência da correção monetária e dos juros remuneratórios", finaliza, para o bem da humanidade, o desembargador.
Fonte:  Informativo Migalhas nº 2.506 - 9 de novembro de 2010 (www.migalhas.com.br)
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Maioria, para isso ?


Como se sabe, um dos argumentos para motivar os eleitores a votarem em Dilma era de que ela teria maioria no Congresso. Argumento forte, porque reconhecidamente o fisiologismo impera em nosso Legislativo. E se o governante, aparentemente (alguém põe a mão no fogo ?), já tem maioria, tanto melhor. Ocorre, no entanto, que ter maioria não significa ter salvo-conduto para perpetração de toda sorte de patacoadas. Todavia, pelas últimas declarações dadas pelo atual presidente e por sua sucessora, não parece que isso esteja bem claro. De fato, as notícias de que se pretende ressuscitar a CPMF demonstram um desapego com a realidade, coisa de quem se acha onipotente. Falecida em boa hora, do tipo daquelas que sem pudor algum falamos que "já vai tarde", a CPMF era uma nefasta contribuição criada pelo simplismo tributário tupiniquim. Resumindo, faz-se das instituições financeiras uma coletoria, e morde-se de tudo quanto é lado. O consumidor, coitado, não percebe que é ele, no fim, que fica prejudicado, pois toda a CPMF que o empresário paga, nas idas e vindas com os fornecedores, enfia no preço do produto, e ele [consumidor], na ponta, paga duas vezes (no custo do produto, e quando desembolsa o valor da compra). Haja ridicularia. Como se não bastasse, querem ainda fazer crer que a arrecadação era e será destinada à saúde. Sei. Quanto a isso, não vale nem perder tempo em argumentação. Mas o fato é que, quando a CMPF caiu, o governo tomou imediatas medidas para compensar, elevando a contribuição dos bancos sobre o lucro líquido e aumentando as alíquotas do IOF nas operações de compra de moeda estrangeira, na contratação de seguros e nos empréstimos a pessoas físicas. Desde então, a arrecadação tributária vem batendo recordes. Dessa forma, esse ensaio, que certamente será baldado, de se recriar a CPMF (venha com o nome que vier) é na verdade uma tentativa da próxima presidente de se evitar o ajuste fiscal que, consoante ressabido, ela terá de fazer. Ou seja, cortar gastos, algo que pode eventualmente tisnar sua até agora incólume popularidade. Governar, entretanto, é isso, fazer escolhas. E a presidente Dilma faria boa escolha se ao invés de entrar nessa luta estulta pela volta da CPMF dirigisse suas baterias - com sua propalada maioria - para que seja feita uma reforma tributária responsável e que traduza a modernidade de nossa economia.

Informativo Migalhas nº 2.505, de 8 de novembro de 2010. (www.migalhas.com.br)

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Aborto e o Estado Laico

Por Aldir Guedes Soriano
(http://aldirgsoriano.blogspot.com)

Recebi através do grupo de discussão da Red Iberoamericana por las Libertades Laicas um pretensioso manifesto contra o uso da religião nas eleições presidenciais de 2010.

O texto desse manifesto é arrogante, tendencioso, dogmático e notadamente antidemocrático ao preconizar que “não é aceitável que essa questão [aborto] seja usada nos processos eleitorais com o objetivo de que prevaleça um Brasil arcaico, hipócrita e conservador sobre interesses republicanos e de promoção da igualdade entre os sexos”.

Certamente a questão do aborto é de grande interesse da população, nesse ponto eu estou de acordo com o manifesto. Por esse mesmo motivo, entretanto, o tema não deve ser afastado dos debates neste momento da política brasileira. Será que o povo brasileiro não tem o direito de debater essa questão tão importante e de se posicionar contrariamente a institucionalização do aborto? Ora, a intenção de censurar a liberdade de expressão das igrejas e dos religiosos brasileiros nessa área é atitude sensivelmente despótica.

Eu não subscrevo esse manifesto em razão das flagrantes distorções do princípio constitucional do Estado laico apresentadas no texto. A defesa do estado laico não está atrelada necessariamente à legalização do aborto. De igual sorte, argumentos contrários a essa descriminalização não são exclusivamente religiosos.

Quem é que está pretendendo fazer o uso antidemocrático para fins eleitoreiros? Ora, o fato é que a maioria dos brasileiros, independentemente de classe social ou crença religiosa, não admite a descriminalização do aborto. Assim sendo, esse debate (aborto) só se tornou relevante em razão da iniciativa popular.

Ironicamente, como observa o Pe. Paulo Ricardo, quando a Igreja Católica ajudou o PT a chegar ao poder, ela era elogiada e até mesmo chamada engajada, crítica e pujante. Mas agora quando a Igreja passa a criticar esse mesmo partido, ela é acusada de praticar ingerência da religião no Estado laico.

Ademais, quando essa instituição religiosa apoiou o surgimento do MST através da pastoral da terra e das campanhas da fraternidade, ninguém rechaçou tal comportamento sob alegação de violação do Estado laico. O inconformismo só aparece agora, no momento em que alguns de seus padres tomam a iniciativa de mostrar a pretensão totalitária do Partido dos Trabalhadores de eliminar a liberdade de expressão e de religião e, também, de levar a cabo a revolução comunista na América Latina.

Após ter declarado ser a favor da legalização do aborto, em recente sabatina promovida pelo jornal Folha de S. Paulo, a candidata Dilma Roussef muda de opinião e afirma ser contra essa prática controvertida, justamente na reta final das eleições. Essa altamente suspeita mudança de opinião de Roussef destoa das metas estabelecidas pelo governo petista no Plano Nacional de Direitos Humanos 3 – PNDH 3. Diversos documentos anteriores já determinavam a legalização do aborto incluindo “Diretrizes para Elaboração do Programa de Governo” de 2006. O que é mais grave em tudo isso, porém, é a tentativa de enganar a opinião pública brasileira em relação ao pensamento da candidata petista, contando, aliás, com a colaboração de Gabriel Chalita, que a acompanhou durante a dissimulada peregrinação à cidade de Aparecida do Norte.

Se a repentina mudança de opinião de Roussef é sincera, então ela deveria abandonar o PT antes que sobrevenha a sua expulsão. Como é cediço, o partido dos trabalhadores fechou a questão em torno do tema do aborto e já expulsou os deputados federais Luiz Bassuma e Henrique Afonso por se mostrarem contra a legalização do aborto e por defenderem o direito à vida desde a concepção (Cf. documento da CNBB, disponível em http://www.cnbbsul1.org.br/arquivos/defesavidabrasil.pdf).

Eu sou contra a descriminalização generalizada do aborto e o meu argumento nem é religioso. Penso que a vida deve ser protegida. Hoje, a mulher já tem o direito de abortar, mas tão-somente nas hipóteses excepcionais previstas pelo Código Penal, ou seja, gravidez resultante de estupro e para salvar a vida da mulher. Almeja-se, no entanto, ampliar as possibilidades de aborto além das exceções já admitidas. O feto não tem direito à vida? O direito de dispor do próprio corpo, como os demais direitos, não pode ser absoluto. Ademais, o feto se distingue do organismo materno. Trata-se de outro indivíduo, por isso é merecedor de respeito e consideração.

A legalização do aborto não é pressuposto (ou requisito) do Estado laico. Em outras palavras, o Estado laico, por si só, não constitui argumento a favor da legalização do aborto, tema polêmico e responsável por intensos, atuais e, por vezes, apaixonados debates. O fato é que argumentos desfavoráveis à prática do aborto podem ser extraídos dos valores e direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988 e, também, do Código Civil. Assim, não é preciso recorrer à religião para a sustentação de uma tese contrária ao aborto. Portanto, associar a legalização do aborto ao princípio da laicidade é no mínimo desonestidade intelectual. Ora, esse engodo está implícito quando se sugere a idéia fantasiosa de que abortar é uma liberdade laica.

O princípio da laicidade requer apenas que os argumentos religiosos não sejam diretamente utilizados nas atividades estatais legislativas, administrativas, executivas e jurisdicionais. Por outro lado, todos os segmentos da sociedade devem ser ouvidos. O cerceamento da liberdade de expressão das opiniões religiosas e, até mesmo, anti-religiosas existentes na sociedade não é procedimento democrático. O cidadão, religioso, ateu ou agnóstico, tem todo o direito de não votar em partidos políticos abertamente contrários às suas convicções, sejam elas de ordem política, religiosa ou filosófica. Por que os padres e pastores não podem manifestar as suas opiniões? A liberdade de expressão não viola o princípio da laicidade, muito pelo contrário, ela fortalece a democracia e equilibra as divergências existentes da sociedade.

A Constituição assegura o direito à vida, art. 5º., caput. Não se pode negar que há vida em fetos e embriões humanos. Por outro lado, existe o direito de escolha (autonomia individual). Então, a polêmica reside na colisão entre o direito à vida do feto e o direito de escolha da gestante. Não se pode deixar de ressaltar que o direito de escolha – autonomia individual – não é absoluto, mesmo sob o ponto de vista liberal. Além disso, o artigo 2º do Código Civil assegura os direitos do nascituro. “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Segundo Ives Gandra da Silva Martins, em artigo publicado no Jornal Folha de S. Paulo, “seria ridícula a interpretação do dispositivo que se orientasse pela seguinte linha de raciocínio: Todos os direitos do nascituro estão assegurados, menos o direito à vida”!

Cumpre ainda ressaltar que o manifesto abortista parte de premissa equivocada ao dizer que aborto é questão de saúde pública. Tanto é assim que o filósofo Olavo de Carvalho, em artigo publicado no jornal Diário do Comércio, clarifica as mentes mais confusas nos seguintes termos: “Para o abortista, a condição de "ser humano" não é uma qualidade inata definidora dos membros da espécie, mas uma convenção que os já nascidos podem, a seu talante, aplicar ou deixar de aplicar aos que ainda não nasceram. Quem decide se o feto em gestação pertence ou não à humanidade é um consenso social, não a natureza das coisas.” (...) “Também não é de espantar que, na ânsia de impor sua vontade de poder, mintam como demônios. Vejam os números de mulheres supostamente vítimas anuais do aborto ilegal, que eles alegam para enaltecer as virtudes sociais imaginárias do aborto legalizado. Eram milhões, baixaram para milhares, depois viraram algumas centenas. Agora parece que fecharam negócio em 180, quando o próprio SUS já admitiu que não passam de oito ou nove. É claro: se você não apreende ou não respeita nem mesmo a distinção entre espécies, como não seria também indiferente à exatidão das quantidades? Uma deformidade mental traz a outra embutida.”

Nessa esteira, a candidata Marina tem sustentado que a maioria das mulheres pobres não deseja abortar. No mais das vezes elas acabam praticando o aborto por circunstâncias alheias a sua vontade. Assim sendo, descriminalizar o aborto não é solução para nenhum problema social ou de saúde pública. Além disso, o aborto descriminalizado está longe se ser pressuposto do Estado laico como sustentam o fundamentalismo ateísta.

O verdadeiro Estado laico deve proteger a sociedade tanto do fanatismo religioso quanto do fanatismo ateu. Ambos os fanatismos são igualmente virulentos e restritivos às liberdades democráticas. Negar a liberdade de expressão religiosa, como nessa situação em que se pretende colocar uma mordaça naqueles que não concordam com a legalização do aborto pelo Estado, representa um atentado à democracia e ao Estado laico. A liberdade de expressão não deve ser privilégio dos ativistas favoráveis ao aborto, como sugere o manifesto. Essa liberdade também deve alcançar aqueles que por razões jurídicas, morais ou, até mesmo religiosa, pensam de forma diferente.

Nota: e vamos nos aproximando de uma eleição em que, infelizmente, não sabemos o que o vencedor (ou vencedora) fará...