quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Direito à vida

TJ/SP acolhe recurso de pais que não puderam honrar parcelas de financiamento por conta da grave doença do filho
A 11a câmara de Direito Privado do TJ/SP acolheu, em parte, embargos à execução hipotecária, dando assim provimento ao pedido dos embargantes que, por motivo de grave doença do filho, não conseguiram cumprir as parcelas mensais de um financiamento tomado numa instituição financeira.
O contrato, firmado em janeiro de 1999 para a aquisição de um imóvel, deixou de ser honrado porque o filho dos embargantes foi acometido de leucemia, vindo infelizmente a sucumbir em outubro de 2004.
Em razão do não-pagamento das mensalidades, desde junho de 2002, o banco moveu uma execução hipotecária de R$ 65.779,14, correspondente às obrigações atrasadas, juros de mora e multa contratual.
Os embargantes não negaram a dívida, mas disseram que foram baldadas as tentativas de renegociação das parcelas em aberto.
Ao fundamentar seu voto, o desembargador relator Moura Ribeiro afirma que o "exame dos autos revela o drama de uma família na tentativa desesperada de salvar a vida de seu filho acometido de grave doença, o que justifica o inadimplemente momentâneo das parcelas e o consequente afastamento da mora durante o período da moléstia".
Não se pode, segundo o relator, perder de vista que a "mora fica descaracterizada diante da ocorrência de fato de que não se pode ser imputado ao devedor, como é o caso, consoante dispõe o art. 396, do CC/02, correspondente ao art. 963 do CC/16".
Além disso, complementa o magistrado, não se pode deixar de mencionar que "o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado", conforme dispõe o art. 393 do CC (clique aqui).
Entre atender as necessidades do filho gravemente doente ou pagar o mútuo hipotecário, os pais "optaram e bem pela primeira hipótese, até porque a Constituição Federal assegura, sem nenhuma restrição ou condição, o direito à vida", pontua o relator.
Ao acompanhar integralmente o voto do relator, o desembargador revisor Gilberto dos Santos destaca que "fosse apenas por conta da letra fria da lei, seria até possível afirmar que o fato pessoal do devedor realmente não poderia ser oposto ao credor. Contudo, as regras quase sempre comportam exceções, mormente no campo do Direito, onde cada caso é único em suas particularidades e assim precisa ser considerado e resolvido".
Para o magistrado, em situações tais, a opção pelo filho "é natural, consequentemente não sendo razoável exigir conduta diversa".
"Por conseguinte, possível afirmar também que nessas hipóteses não há fato ou omissão efetivamente imputável ao devedor. E se não há, o devedor não incorre em mora", considera o revisor ao interpretar o artigo 396 do CC (clique aqui).
Segundo o desembargador, não se vê dificuldade em enquadrar a situação em discussão como "caso fortuito".
"E o caso fortuito ou de força maior serve para afastar a responsabilidade pelos prejuízos resultantes (art. 393, Código Civil), salvo quando o devedor expressamente houver por eles se responsabilizado, o que não foi o caso".
Ademais, como pontua o revisor, "não se trata de transferir ao credor o infortúnio do devedor, mas de se reconhecer a função social do contrato, pois este já não pode ser entendido apenas para realizar as pretensões individuais dos contratantes, porém como instrumento de convívio social e de preservação dos interesses da coletividade".
"Além de tudo, é de se ver que a simples retirada dos juros e multa de mora nem prejudica objetivamente o credor, pois o capital deste continua a sofrer a incidência da correção monetária e dos juros remuneratórios", finaliza, para o bem da humanidade, o desembargador.
Fonte:  Informativo Migalhas nº 2.506 - 9 de novembro de 2010 (www.migalhas.com.br)
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Maioria, para isso ?


Como se sabe, um dos argumentos para motivar os eleitores a votarem em Dilma era de que ela teria maioria no Congresso. Argumento forte, porque reconhecidamente o fisiologismo impera em nosso Legislativo. E se o governante, aparentemente (alguém põe a mão no fogo ?), já tem maioria, tanto melhor. Ocorre, no entanto, que ter maioria não significa ter salvo-conduto para perpetração de toda sorte de patacoadas. Todavia, pelas últimas declarações dadas pelo atual presidente e por sua sucessora, não parece que isso esteja bem claro. De fato, as notícias de que se pretende ressuscitar a CPMF demonstram um desapego com a realidade, coisa de quem se acha onipotente. Falecida em boa hora, do tipo daquelas que sem pudor algum falamos que "já vai tarde", a CPMF era uma nefasta contribuição criada pelo simplismo tributário tupiniquim. Resumindo, faz-se das instituições financeiras uma coletoria, e morde-se de tudo quanto é lado. O consumidor, coitado, não percebe que é ele, no fim, que fica prejudicado, pois toda a CPMF que o empresário paga, nas idas e vindas com os fornecedores, enfia no preço do produto, e ele [consumidor], na ponta, paga duas vezes (no custo do produto, e quando desembolsa o valor da compra). Haja ridicularia. Como se não bastasse, querem ainda fazer crer que a arrecadação era e será destinada à saúde. Sei. Quanto a isso, não vale nem perder tempo em argumentação. Mas o fato é que, quando a CMPF caiu, o governo tomou imediatas medidas para compensar, elevando a contribuição dos bancos sobre o lucro líquido e aumentando as alíquotas do IOF nas operações de compra de moeda estrangeira, na contratação de seguros e nos empréstimos a pessoas físicas. Desde então, a arrecadação tributária vem batendo recordes. Dessa forma, esse ensaio, que certamente será baldado, de se recriar a CPMF (venha com o nome que vier) é na verdade uma tentativa da próxima presidente de se evitar o ajuste fiscal que, consoante ressabido, ela terá de fazer. Ou seja, cortar gastos, algo que pode eventualmente tisnar sua até agora incólume popularidade. Governar, entretanto, é isso, fazer escolhas. E a presidente Dilma faria boa escolha se ao invés de entrar nessa luta estulta pela volta da CPMF dirigisse suas baterias - com sua propalada maioria - para que seja feita uma reforma tributária responsável e que traduza a modernidade de nossa economia.

Informativo Migalhas nº 2.505, de 8 de novembro de 2010. (www.migalhas.com.br)